segunda-feira, 31 de março de 2014
Curso de vinho do Porto
domingo, 30 de março de 2014
segunda-feira, 24 de março de 2014
Rui Falcão falando 1• cru Português
Por outras palavras, um conceito de difícil aplicação à realidade portuguesa, onde não transbordam os exemplos de vinhos com um passado histórico longo e habilitado, que ultrapasse decentemente metade de um século, com uma consistência qualitativa impecável e sem brechas, e onde subsistam um número de garrafas suficiente que autorize provas regulares que permitam aquilatar sobre os predicados do vinho em causa. Condições exigentes que impedem a atribuição do almejado título dePremier Cru à quase plenitude dos vinhos nacionais.
Porém, um vinho português assoma por entre a plebe, reclamando para si, com toda a propriedade, tão cobiçado brasão de nobreza. Que vinho é esse que poderá aspirar a tamanho estatuto de fidalguia? Um vinho discreto mas erudito, um clássico entre os clássicos, um vinho invulgar e desconforme com tudo o que possa representar a rotina e os padrões estabelecidos, o Vinho do Bussaco, o verdadeiro, e eventualmente único, Premier Cru português. Um vinho, infelizmente, pouco conhecido entre os lusitanos, sistematicamente esquecido e ignorado, sem o relevo institucional que o longo historial, e, sobretudo, a incrível qualidade, lhe deveriam proporcionar.
E no entanto, apesar de tão longos pergaminhos e de tão excelsa qualidade, o celeste Vinho do Bussaco não passa de um mero vinho de mesa, o degrau mais humilde da hierarquia vínica portuguesa, fruto da sua posição fronteiriça entre duas das grandes denominações portuguesas, a Bairrada e o Dão, desfrutando da sua localização física para agregar uvas das duas denominações, procurando justapor o melhor de cada uma das regiões vizinhas. Que o Premier Cru português seja um “vulgar” vinho de mesa é um dos maiores paradoxos e imprevistos em que o mundo do vinho pátrio é fértil…
Para o enorme desconhecimento sobre os vinhos do Bussaco, mas também para a sua inegável magia, concorre a circunstância de os vinhos serem exclusivamente vendidos nos hotéis do grupo Alexandre Almeida, integrados na carta dos restaurantes, com destaque mais que evidente para o belíssimo Palace Hotel do Bussaco, a sua casa, um dos hotéis históricos mais emblemáticos e encantadores da Europa, gizado em estilo neomanuelino como pavilhão de caça para o oceanógrafo rei D. Carlos, vítima do regicídio que viria a marcar o desfecho da monarquia em Portugal.
Os vinhos do Bussaco foram criados por Alexandre de Almeida no início do século passado. Com notável pioneirismo realizou inúmeras viagens de estudo aos hotéis mais emblemáticos da Europa e Estados Unidos, e, fruto da experiência de hotelaria entretanto conquistada, introduziu em Portugal alguns dos conceitos e práticas hoteleiras mais avançadas da época. Entre as suas múltiplas reformas insistiu que o Palace Hotel do Bussaco, enquanto grande hotel de luxo, deveria poder oferecer os seus próprios vinhos, a exemplo do que sucedia em casos idênticos pela Riviera Italiana e pela Côte d’Azur, ter a sua própria adega, constituída por vinhos locais com marca exclusiva da casa como factor de qualificação e distinção.
Numa quadra em que os vinhos de mesa engarrafados continuavam a ser a excepção, mantendo-se o vinho a granel como referência, Alexandre de Almeida projectou e materializou os vinhos do Bussaco, patrocinando o consórcio entre as vinhas da família, plantadas no sopé da Serra do Bussaco, e as uvas compradas a terceiros, escolhidas na Bairrada e Dão, transformando a cave do Palace Hotel do Bussaco na lendária adega da casa onde, continuam a repousar em sereno descanso os grandes vinhos do Bussaco.
Será fácil e quase inevitável desconfiar sobre o estado de saúde dos vinhos mais antigos, sobre a qualidade e viabilidade das colheitas mais clássicas, desconfiar sobre o potencial e patamar de envelhecimento de vinhos tão pouco conhecidos e divulgados… mormente dos vinhos brancos, aqueles que, por tradição, levantam maiores incertezas sobre a guarda. Curiosamente, e depois de uma prova vertical nas caves do Palace Hotel do Bussaco, foram precisamente os vinhos brancos que mais me emocionaram e sobressaltaram. Sem qualquer desprimor para os tintos do Bussaco, simplesmente maravilhosos, verdadeiramente assombrosos em colheitas como 1960 ou 1958, os vinhos brancos foram aqueles que me abalaram de forma irreparável.
Raramente se tem ocasião de poder provar, em qualquer parte do mundo, vinhos tão jovens e vibrantes, tão austeros e dignos, tão precisos e rigorosos como os brancos do Bussaco. Entre dois belíssimos vinhos jovens das colheitas de 2001 e 2000, diferentes no estilo mas profundamente fenólicos, minerais e densos, gigantes na estrutura, e as colheitas muito mais anciãs, de 1956 e 1955, os vinhos impressionantes pela frescura e dimensão. O final explosivo e incisivo impressiona em vinhos que se mostram ainda jovens, duros e secos, numa constância, regularidade e continuidade no estilo que raramente os vinhos portugueses conseguem alcançar.
Um ícone dos vinhos portugueses que poderia, e deveria, ser mais utilizado na promoção dos vinhos portugueses.
sábado, 22 de março de 2014
Campeão Brasileiro em vinho alentejano
2014-02-11
CVRAanuncia o vencedor do Concurso “O Melhor Sommelier Vinhos do Alentejo no Brasil 2014”
Francisco Edcarlos Lopes é o vencedor do 1º Concurso que a CVRA organiza neste âmbito
O prémio terá novas edições, pretendendo reforçar a notoriedade dos vinhos alentejanos no mercado brasileiro.
Foi anunciado na passada 6ª Feira, dia 07 de Fevereiro, o vencedor do Concurso “O MelhorSommelier Vinhos do Alentejo no Brasil 2014”. Francisco Edcarlos Lopes, do restaurante Adegão Português, no Rio de Janeiro, foi eleito o vencedor pelos jurados: Dora Simões, presidente da CVR Alentejana, Rui Falcão, jornalista e crítico de vinhos português e ainda Duarte Calvão, o especialista gastronómico e diretor do festival anual “Peixe em Lisboa”.
A final foi composta por um teste escrito e uma prova oral sobre os conhecimentos adquiridos, tendo o grande vencedor recebido como trofeu um decanter de cristal gravado, da Riedel.
Mais do que o prémio, os 12 finalistas levam consigo o facto de terem conhecido de perto a realidade dos vinhos alentejanos, as grandes variedades de uvas e os distintos terroirs.
Os 12 finalistas estiveram durante toda esta semana em contacto com os produtores do Alentejo. O programa da visita teve como objetivo o contacto real dos sommeliers brasileiros com os produtores e enólogos da região alentejana.
Para além da experiência da identidade vitivinícola alentejana, a CVRA garante que “este Concurso terá certamente novas edições, com o objetivo de reforçar a notoriedade dos vinhos alentejanos no mercado brasileiro”.
O Brasil é um dos principais mercados de importação de vinhos do Alentejo. Em 2013, a região alentejana, que é também a preferida à mesa dos consumidores portugueses, registou mais de 2,5 milhões de litros de volume exportado para o mercado brasileiro, um aumento de 12%.
Sobre o Concurso:
A 1ª etapa deste concurso, que envolveu 85 sommeliers das cidades brasileiras do Recife, Belo Horizonte, Campinas, Rio de Janeiro, São Paulo e Curitiba, foi realizada durante fevereiro e em setembro de 2013, no Brasil. Baseada num workshop dirigido pelo crítico de vinhos português Rui Falcão, foram apresentados alguns dos conceitos-chave da região do Alentejo, como o seu historial, terroir e perfil dos vinhos. De seguida, os concorrentes participaram numa prova de vinhos onde foram convidados a aferir as mesmas caraterísticas singulares e finalizaram respondendo a um exame escrito. Desta etapa resultou o apuramento de 2 representantes de cada cidade, perfazendo um total de 12 finalistas que vieram a Portugal, conhecer de perto a realidade e as especificidades da região alentejana.
CVRA – Comissão Vitivinícola Regional Alentejana:
A Comissão Vitivinícola Regional Alentejana (CVRA) foi criada em 1989 e é um organismo de direito privado e utilidade pública que certifica os vinhos DOC Alentejo e os vinhos Regional Alentejano. É responsável pela promoção dos Vinhos do Alentejo, no mercado nacional e em mercados-alvo internacionais. A sua atividade é financiada através da venda dos selos de certificação que integram os contra-rótulos dos Vinhos do Alentejo.
segunda-feira, 17 de março de 2014
Quinta São José
Rui Falcão
Num país que sempre privilegiou e continua a privilegiar os vinhos de lote, a mistura de muitas castas na mesma garrafa, o Alvarinho cedo se habitou a reinar sozinho. Num país que se acostumou a nem conhecer as suas castas e se habituou a pedir os vinhos pelo nome da região, o Alvarinho cedo se afirmou como uma excepção. Num país que se esforça por comunicar as suas excentricidades, esta ideia peregrina de fazer vinhos de lote em lugar de vinhos estremes, vinhos de várias castas em lugar de uma só casta como é habitual na maioria dos países produtores, o Alvarinho cedo se destacou pela diferença e originalidade de ser um vinho de uma só casta.
Num país que há muito se habituou a menorizar os vinhos brancos amordaçando-os sob a condição de vinhos de segunda, num país que continua a recusar pagar mais de três a cinco euros por vinhos brancos ao mesmo tempo que não se importa de pagar o dobro por um vinho tinto, o Alvarinho desde cedo se apresentou como a excepção, a cedência à evidência de qualidade e exclusividade. De forma mais ou menos segura e consistente o nome Alvarinho foi sendo paulatinamente consagrado como a referência de facto nos vinhos brancos nacionais logrando uma respeitabilidade e honorabilidade sem paralelo com as demais castas brancas portuguesas.
Tamanha projecção mediática e financeira só poderia ter como consequência natural a propagação da casta por todo o território nacional, alargando o seu raio de acção do seu Minho natural para a pluralidade do espaço territorial luso. Apesar de relativamente recente no tempo o movimento aparece como imparável e tem recrudescido em intensidade ao longo dos últimos anos, período durante o qual a área plantada tem aumentado de forma sistemática. São poucas as regiões de Portugal onde não se encontra pelo menos uma parcela experimental plantada com a casta Alvarinho e são cada vez menos os produtores e viticultores que conseguem manter-se alheados à atracção fatal do Alvarinho.
Poderíamos seguramente ponderar sobre os locais onde algumas das vinhas foram plantadas, questionar sobre se a escolha do local para a casta será a mais correcta, reflectir sobre uma eventual cedência a modas e a experimentalismos inconsequentes. Mas a realidade material é que a casta actualmente está plantada por todo o território nacional, mas também na Galiza e em outras partes do mundo, e está presente de forma ostensiva e clara em cada vez mais rótulos e contra-rótulos. Sobre isto não há nada a fazer ou sequer a lamentar.
Como não poderia deixar de ser, alguns dos Alvarinhos das novas regiões são bons, outros medianos, outros francamente desinteressantes. Como não podia deixar de ser alguns dos Alvarinhos recentes são vendidos a preços consentâneos com o prestígio da casta, enquanto outros são propostos a preços escandalosamente baratos com o risco latente de vir a deflacionar o valor da casta. Um eventual problema porque o nome Alvarinho tem tendência para sair menorizado e potencialmente desvalorizado, mas também porque os pequenos produtores da região original, os produtores da sub-região de Monção e Melgaço, incapazes de competir pelo preço, ficam com um problema entre mãos de difícil resolução.
Que fazer então? Pretender proibir a utilização do nome da casta fora da região ou fora de Portugal é uma aspiração impossível e de realização impraticável por força das leis nacionais e internacionais. Restringir o uso de uma casta a uma região é algo que está fora do alcance de qualquer país ou região. Na verdade a dificuldade actual assenta precisamente no apego à utilização do nome da casta em detrimento da utilização e promoção do nome da região ou da sub-região. Se os produtores locais tivessem começado por insistir no nome da sub-região, Monção e Melgaço, em lugar do nome da casta os problemas actuais não existiriam.
Se é possível, e desejável, proteger o nome de uma região, tal como o fizeram o Vinho do Porto, Vinho Verde, Alentejo e demais regiões, não é legalmente possível proteger o nome de uma casta e restringir o seu uso, como tantas regiões internacionais o sabem por experiência própria. Mais que trabalhar na quimera de monopólio da casta a sub-região de Monção e Melgaço deveria esforçar-se no reforço do nome da sub-região mostrando aquilo que a diferencia, mostrando a Portugal e ao mundo que é capaz de produzir alguns dos melhores vinhos brancos do mundo. Porque a realidade é esta, tal como a região da Borgonha é maior que a casta Chardonnay também a região de Monção e Melgaço é maior que a casta Alvarinho.
domingo, 16 de março de 2014
Arroz de Pato
Adegão Português: arroz de pato e de cabrito com vinho de Carlos Lucas
Gosto tanto, mas tanto, mas tanto de arroz de pato, que este é dos pratos que mais faço em casa. Se por acaso eu tiver uma boa linguiça portuguesa, é a primeira receita que vou pensar em preparar para os almoços de final de semana com pai e filha, que adoram. Além de tudo, vai sempre bem com um tinto português, dos mais levinhos aos mais encorpados, dos mais ordinários aos mais classudos. Até com um paio vulgar a receita fica bem. Mas um belo chouriço lusitano, claro, faz toda a diferença, porque matéria-prima é tudo na cozinha, assim como na enologia (fazer um vinho medíocre com boas uvas pode acontecer, mas produzir um grande vinhos sem boas uvas é algo praticamente impossível).
Pois ao arroz de pato eu fui apresentado no Antiquarius, há mais de dez anos, e esta é uma das minhas escolhas mais frequentes no elegante restaurante português do Leblon. Prato reconfortante, que rego com azeite, às vezes com um pouco de malagueta, e acompanho com um tinto alentejano, na maioria dos casos.
Já pedi o prato algumas vezes em Portugal. Não que estivessem ruins, mas sempre preferi as versões brasileiras, mais molhadinhas.
- Quando cheguei ao Rio de Janeiro e abri o Antiquarius nos anos 1970 eu logo vi que precisaria adaptar algumas receitas, e o arroz de pato é um bom exemplo disso. As pessoas reclamavam que era muito seco, e passamos a servir mais molhadinho, como gosta o brasileiro - contou-me certa vez seu Carlos Perico.
Pois esta semana fui almoçar no Adegão Português, em São Cristóvão, um lugar que adoro, ams que acabo indo menos do que gostaria. O motivo do encontro era provar alguns dos rótulos de Carlos Lucas, que anda fazendo vinhos muito interessantes em diversas regiões portuguesas, em diferentes estilos, com preços bem atraentes, como o São Lourenço 2008, um tinto da Bairrada já apresentando boa evolução, que custa R$ 40, com boa fruta, taninos macios, um vinho elegante, calcário, com notas de alcaçuz e com boa presença, e acidez equilibrada.
O sommelier Francisco Edcarlos Lopes, ou simplesmente Edcarlos, que vem se transformando em um dos maiores especialistas em vinhos portugueses do Brasil, conquistando vários prêmios e campeonatos (o mais recente foi de vinhos do Alentejo) recomendou o arroz de cordeiro à alentejana, e logo ganhou a minha provação. Alguém na mesa lembrou do arroz de pato. E eu emendei:
- Olha, eu prefiro o arroz de cordeiro, porque eu já conheço o do Antiquarius.
- Mas o nosso é diferente, você vai gostar.
Não foi nada compicadoconvecer a mesa a fazer um pedido duplo. Elegemos, então, os dois, em fartas porções para duas pessoas.
Amarelado pelo açafrão, úmido, mas não empapado, e com os grãos bem íntegros, no ponto exato de cozimento, tem a carne desfiada misturada a rodelas de bom chouriço, já bem douradinho, levemente tostado, com a gordura em grande parte já derretida, e descartada. Para temperar, cebola, tomate, cheiro verde, e umas azeitonas pretas (sem caroço) coroando a mistura. Que alegria. Ainda que já estivesse untuoso, ainda reguei o prato com o excelente azeite Principal, também produzido pela Premium Drinks. E umas gotas de pimenta. Fui ao delírio. Achei que é ainda mais gostoso que o do Antiquarius. Queria provar os dois juntos.
Ao lado, o arroz de cordeiro era ainda mais úmido, com uma coloração mais escura, resultado da utilização do molho do cozimento da carne, igualmente com cebola, tomate, cheiro verde, e umas azeitonas pretas (sem caroço). Desta vez, até dispensei o azeite. Mas não a pimenta. Na taça, o Terras do Pó Syrah-Petit Verdot 2009 (R$ 92), da Casa Ermelinda de Freitas, também feito por Carlos Lucas, e produzido na Península de Setúbal. Um vinho com textura, fácil de gostar, encorpado e com boa fruta, uns toques minerais e defumados, fino e macio, com um toque de ervas frescas, que tem presença, do alto de seus 14,5% de álcool.
Encerramos com um mineiro de botas, espécie de omelete, com queijo e banana, coroado com muita canela em pó. E o café.